domingo, 22 de abril de 2012

O zero e os fantoches




Nunca havia sentido tamanha pequenez. Em pleno cruzeiro (a trabalho) me perdi da turma da imprensa. No auge da madrugada, no último deck do navio, me veio uma sensação de curiosidade máster.  Era noite, as poucas pessoas que ainda estavam acordadas, caíram na balada. As outras milhares, dormiam para o dia seguinte, que estaria cheio de atividades. Fui para um canto isolado e lá fiquei observando O NADA. Conseguia apenas ver as ondas batendo no casco. À minha frente, era o preto absoluto e o silêncio.

Em conversa recente no divã me peguei descrevendo a morte desta maneira: um navio no meio da madrugada, quando o mar e o céu formam uma só coisa sem nome. Por mais paradoxal que isso possa parecer, ando pensando a vida desta forma. Temos essa mania ridiculamente humana de traçarmos planos para tudo – e precisamos fazer isso logo, já que isso divide uma sociedade entre os fracos e os fortes. Até que chega um momento em que a vida simplesmente precisa ser cruzada. É ela quem manda. Não é o teu corpo que está na boleia. Somos meros fantoches. De quem? Não sei.
Seguimos nosso próprio reality show com a utópica ideia de que somos insubstituíveis e de que faremos história. Quantos morreram sem viver apenas com esse objetivo? Às vezes o melhor é estarmos com os olhos vendados e deixarmos ser marionetes, desde que os fios não enrolem nos braços e pernas.

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E um pensamento para complementar o post, para aqueles que ficaram apavorados com a vastidão do zero:

"Life is like a mirror … we get the best results when we smile at it"

Eu acredito nisso.

sábado, 7 de abril de 2012

Aquele sorriso


Eu tinha 9 anos e estava vivendo uma época onde meus melhores amigos, além da minha irmã, eram meus vizinhos de rua. Nós éramos inseparáveis e tínhamos uma espécie de gangue. Entre nossos grandes crimes estava o roubo de goiabas e framboesas, além de pitangas, ingás e cana de açúcar de toda a vizinhança. Além disso, nos apresentávamos na praça em frente à minha casa e passávamos as férias zanzando de bicicleta, skate e carrinho de rolimã pelas ladeiras do bairro. Assim como as crianças de Carrossel e sua Patrulha Salvadora, nós também tínhamos nossos mascotes – e eles eram dois cães, a Thati e o Presuntinho. A primeira era a cachorrinha de uma de nossas vizinhas, mas ficava sempre do lado de fora do portão, com seu espírito aventureiro. O Presuntinho era da rua mesmo, mas era apaixonado pela Thati.


Um dia Thati deu à luz. Os bichinhos eram fofos demais e, por isso, a nossa galerinha – quando se encontrava – passava a maior parte do tempo na casa da vizinha, apreciando os filhotes. Com o tempo, eles foram sendo dados. Eu e minha irmã logo nos encantamos por um – uma fêmea. Ela era a menorzinha e mexia uma das patinhas de forma diferente, mas isso não impedia que nós a adorássemos.

Corremos para casa e enchemos o saco de nossa mãe para que pudéssemos tê-la, mas ela estava irredutível, deixando claro que “depois dos cockers que eu tive que dar porque vocês não ajudavam em nada e tinham medo”, ela não queria mais bicho nenhum na casa. Alguns dias se passaram e, enquanto ela dormia à tarde, fomos até seu quarto. Aproveitando-se de sua nobreza, começamos a fazer jogo sujo e perguntar sobre o cãozinho mais uma vez. Guess What? Sonhando, ela topou!

Alguns dias depois a Deny entrou em nossas vidas. E ela era tão pequenininha... Quando ela chegou lá em casa era o auge do inverno no Rio Grande, meados de julho, creio. Deixamos ela na garagem, mas não parava de chorar. Então, depois de muito pedir, a mãe deixou a gente levá- la para dentro, na sala de estar, onde ficou em um cestinho acolchoado, descansando em frente à lareira acesa.

Foi naquele dia que ela me deu o primeiro desafio – fazendo um enorme cocô no tapete. Eu, que havia prometido para minha mãe que “faria de tudo para o bichinho, que ela não precisava nem se preocupar” só senti seu olhar com o cantinho do olho. Foi quando eu fui buscar os produtos para limpar a sujeira.

A Deny era muito ativa e uma das coisas mais engraçadas que ela fazia era seu programa de milhas pessoal. Quando estava empolgada, começava uma corrida na garagem, dava três voltas no pátio e voltava deslizando pra garagem, até bater na porta porque seu sistma de freios não era dos melhores. Depois eram mordidas e pulos. Nossos amigos não conseguiam ficar em paz. Resolvemos tomar uma atitude drástica. Doamos a Deny. Após o ato, chegamos em casa. Eu, minha mãe e irmã nos olhamos e começamos a chorar. Não conseguíamos mais imaginar como seria a vida sem aquele ser. No dia seguinte, fomos buscar a Deny com sua nova dona. Então, ela voltou pra casa e passou a ser tratada a pão de ló.

E como era guerreira! Em sua trajetória, que durou 16 anos, Deny passou por diversos apuros. A perninha que mexia de um jeito estranho quando ainda era bebê, mostrou ser Cinomose, uma doença viral que ela pegou ainda pequeninha, mas que venceu. Aos 9 anos, ela passou por um péssimo momento, quando três filhotinhos morreram dentro de seu útero e ela precisou passar por cirurgia de emergência. Depois do procedimento, ela teve um problema nos rins, o que fez com que perdesse parte da língua. Porém, após o susto, ela voltou para casa firme e forte.

Em uma de suas saídas – sim, ela tinha o espírito aventureiro da mãe e vivia na rua – ela acabou atropelada por um caminhão, mas se saiu bem, se arrastando, para ficar 30 dias de molho (com dificuldade de ficar parada), enquanto a bacia quebrada calcificava. Nos últimos anos de sua vida, ela teve câncer de mama, problema que foi resolvido, mas que resultou em metástase para os pulmões, anos depois.

No fim de seus dias, ela, que mal conseguia respirar, ainda mantinha aquela sua cabecinha pequena raspando em nossos pés, fazendo carinho, e aquele sorriso no rosto. Sim, ela tinha sempre um sorriso debochado na cara... Em um dos dias, vendo que estava impossível vê-la sofrer daquele jeito, optamos por sacrificá-la. Foi a decisão mais difícil que já tivemos. Era um domingo de almoço em família, mas ela não estava mais aguentando... Levei a pequena velhinha no meu colo até o hospital veterinário. A médica garantiu que ela nada sentiria e que estávamos fazendo o mais certo. Me despedi dela ali na porta e fiquei ao lado dos meus pais, esperando até que tudo acabasse. Ao mesmo tempo que era um alívio, isso significava que nunca mais ouviríamos seu latido quando quisesse entrar em casa ou suas patinhas nos seguindo até a piscina. Nunca mais vi a Deny. E hoje acordei com esse enorme vazio dentro de mim. Saudade dela. Saudade daquele tempo em que ela existia. Talvez saudade dos meus 9 anos, quando tudo começou.

Quem inventou que os cães devem viver menos que as pessoas?